* com informações do Escritório Paese, Ferreira, DMT, Repórter Brasil e Uol.
Enquanto a Câmara dos Deputados votava o "voto impresso", a Medida Provisória 1045, aquela mesma do Governo Federal que reduziu jornadas e salários em meio à pandemia, ganhou penduricalhos e virou uma nova Reforma Trabalhista! A base do Governo na Câmara colocou emendas na MP que, em resumo, cortam proteções trabalhistas, reduzem a renda dos trabalhadores, criam categorias de empregados de "segunda classe", pioram as condições de trabalho dos mais jovens e atrapalham a fiscalização da escravidão contemporânea, entre outros ataques à classe trabalhadora.
O que a MP faz com a classe trabalhadora?
Trabalhador de “segunda classe” sem contrato e sem direitos
A criação do Regime Especial de Trabalho Incentivado (Requip) estabeleceria uma espécie de trabalhador de “segunda classe”, sem contrato de trabalho e, portanto, sem direitos (como férias, FGTS, contribuição previdenciária, entre outros). O Requip seria destinado para quem não tem vínculo com a Previdência Social há mais de dois anos, trabalhadores de baixa renda que foram beneficiados com programas federais de transferência de renda e jovens com idade entre 18 e 29 anos.
A síntese do Requip é a prestação de serviços ou trabalho eventual associado à formação profissional, com assinatura de um termo de compromisso, mas sem caracterizar relação de trabalho. Os pagamentos ao profissional são chamados de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) e de Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ). Com a sua aprovação, as empresas deixariam de ofertar vagas de aprendizagem para vários jovens, sobretudo os mais vulneráveis, que passariam a ser contratados por esta via precária e sem direitos.
Redução do pagamento de horas extras
Bancários, jornalistas e operadores de telemarketing, entre outros trabalhadores com jornadas reduzidas (ou seja, de menos de 8h por dia), teriam a redução no valor do pagamento de horas extras. O texto prevê uma “extensão da jornada” para 8 horas diárias e determina que o pagamento da hora extra tenha acréscimo somente de 20% — hoje, a legislação trabalhista determina que a hora extra tenha acréscimo de 50% (quando trabalhada de segunda a sábado) e 100% (quando trabalhada domingos ou feriados).
Além de reduzir o pagamento da hora extra, a MP permite que a alteração seja feita por acordo individual, sem a mediação do sindicato que representa a categoria. A emenda prevê que a medida poderá ser aplicada também depois do fim da pandemia.
FGTS menor para quem for demitido
A MP institui o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Pirore), ressuscitando pontos da MP 905, que previa a carteira de trabalho Verde e Amarela. O programa seria voltado para jovens adultos de 18 a 29 anos que procuram o primeiro emprego com carteira assinada e pessoas com mais de 55 anos sem vínculo formal de emprego por mais de um ano. Ambos os grupos, principalmente o primeiro, são afetados por taxas de desemprego acima da média da sociedade.
O salário-base mensal teria o teto de dois salários mínimos e, nessa modalidade de contratação, os empregados teriam direitos como 13° salário e férias pagas parceladamente. Além disso, a indenização sobre o saldo do FGTS em caso de demissão também poderia ser paga parcelada e antecipadamente. O valor da multa nesse caso deixaria de ser de 40% do total do FGTS e cairia para 20%.
Outra perda para o trabalhador seria a redução da alíquota do FGTS depositada pelas empresas, que cairia de 8% para 2% para as microempresas, 4% para empresas de pequeno porte e 6% para as demais empresas. Pela regra vigente, um trabalhador que recebe salário de R$ 2,2 mil tem o depósito mensal de R$ 176 no seu FGTS. Se ele for funcionário de uma microempresa receberá o depósito de R$ 44.
Fiscalização trabalhista sem multa e com “orientação” para escravagistas
A MP altera a fiscalização trabalhista e prevê que antes de um empregador ser multado por infringir a lei, devem ser realizadas duas visitas dos auditores-fiscais do trabalho, mesmo para situações graves de violações, como infrações às normas de saúde e segurança (que impõe aos trabalhadores riscos de doenças e acidentes). A proposta faz uma ressalva para “irregularidades diretamente relacionadas à configuração da situação” de escravidão. O objetivo é reduzir o caráter de fiscalização e tornar a atividade dos auditores fiscais como uma ação apenas orientativa.
Julgamento das infrações por comissão composta por representantes das empresas
A MP sugere alterar o artigo 635 da CLT para que os recursos dos empregadores contra autos de infração passem a ser julgados por uma comissão que pode ter, inclusive, integrantes das empresas infratoras.
Na prática, caso a MP 1045 seja aprovada, representantes do governo e das empresas irão decidir se os nomes de determinadas empresas farão parte da “lista suja”, o cadastro de empregadores responsabilizados por mão de obra análoga à de escravo, por exemplo. É a segunda vez que se tenta criar uma comissão do tipo. A primeira foi no final do governo Michel Temer, em outubro de 2018.
Aposentadoria pode demorar mais tempo
De acordo com a MP, o trabalhador que tiver o contrato suspenso deverá contribuir como segurado facultativo (autônomo) para o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), seguindo as alíquotas estabelecidas para o segurado obrigatório (aqueles que têm carteira assinada). Ou seja, tira a obrigação do patrão de fazer a contribuição. Além disso, o período de suspensão do contrato não contará como tempo de contribuição para a aposentadoria — ou seja, o trabalhador terá de esperar mais tempo para ter direito ao benefício.
Dificuldade de acesso à Justiça gratuita
Passaria a ser exigido uma comprovação da renda para fins de acesso à justiça gratuita, sendo que atualmente, basta a declaração de insuficiência de recursos. É mais uma tentativa de dificultar o acesso à Justiça e desmotivar o trabalhador a buscar seus direitos.